Os
ventos de outrora traziam consigo o ar puro e também os ruídos de um presente
preste a cair em decadência. Apesar de tudo, o sentimento de liberdade era
vogado pelos nossos antepassados. Nós aprendíamos a caçar, dançar, brincar,
cantar e contar as lendas de nosso povo. Até que um dia brilhos estonteantes
vieram da imensidão do mar. Todos ficaram assustados e, ao mesmo tempo,
fascinados. Ora, mas quem
seriam os bem-aventurados a dominar tais técnicas de navegações? Quem seriam
esses deuses a dominar as águas e porvir ao nosso encontro?
Por
hora eles eram deuses, deuses que traziam consigo auréolas de outra
civilização. Entretanto ao invés de darmos-lhes regalos, os acariciados fomos
nós. Tais regalos brilhavam mais que a luz do sol. Nunca se havia visto algo
tão exuberante e encantador. Não se sabia ao certo o que eram ou para que serviam,
apenas se sabia que a beleza irradiava daquelas coisas tão pitorescas.
Após
isso, surgiu a nossa primeira diferença: os deuses não possuíam o mesmo dialeto
que nós. Então acreditamos que seriam aqueles vindos do além, mas logo a
situação se alterou.
Logo
nos vimos submissos aos deuses dos regalos, deuses que, agora, ao invés de dar,
retiravam. Mas retiravam o que era nosso, coisas que tínhamos em nossas terras,
vindas da mãe natureza, coisas que eram da nossa raiz. Não entendíamos muito
bem o porquê de retirar aquelas árvores e colocar nos navios.
Aos
poucos, os deuses já estavam tomando nossas casas, nossas mulheres, nossas
famílias e tudo que fosse nosso. Tudo que outrora pertencia a nossa identidade,
aos nossos hábitos e a nossa cultura. Logo chegaram deuses superiores, dizendo
que deveríamos seguir as ordens de outro deus ainda mais forte que aqueles que
aqui estavam.
Assim vimos uma parte de nós ser afogada no
sangue derramado daqueles que não aguentaram o que eles chamavam de trabalho. Aliais,
eles adoravam nos dar nomes e ensinar o que eles falavam, nossos nomes eram
tidos como índios, não tínhamos nomes próprios, apenas índios, selvagens e
desvirtuosos.
Com
o passar do tempo à situação dirigiu-se rumo ao abismo. Vimos outros de nós
passando por tudo o que já havíamos passado, e mais e mais desses deuses
chegavam da água. Havia mais deuses do que pessoas da nossa Terra, e os deuses
ainda tinham filhos com nossas mulheres.
“A Criação” (2010) - Colagem do Artista Plástico Silvio
Alvarez (E-mail: silvioalvarez@uol.com.br) – Acervo do Memorial dos Povos
Indígenas – Brasília/DF.
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Hoje
nós não temos muitos lugares para morar, eles tomaram tudo o que tínhamos para
sobreviver. Alguns de nós são obrigados a morar na cidade, trabalhar, roubar,
traficar e se prostituir, já outros de nós moram no que eles chamam de “aldeias
urbanas”.
Tentamos
ganhar dinheiro de qualquer forma, uma das maneiras é o que eles chamam de
turismo. O turismo são aquelas pessoas que vem a nossa aldeia para nos ver
dançar, comer, dormir e também vem para comprar o artesanato que fazemos.
Eles
falam que o que fazemos é bonito é “cultura”. Mas na realidade não é mais o que
eles chamam de “cultura”, pois não temos mais isso, não temos mais a vida que
tínhamos antes dos Deuses chegarem.
Hoje
fazemos tudo isso para ganhar alguns trocados e viver igual aos Deuses que nos
ensinaram, vivemos e lutamos para ganhar nossos direitos e ter os mesmos que
eles têm. Afinal tudo o que tínhamos foi tirado de nós.
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